Se tudo tivesse se desenrolado da maneira que Eduardo da Silva provavelmente sonhava quando era criança e marcava gols atrás de gols nas peladas da Vila Kennedy, no Rio de Janeiro, a possibilidade de ele estar na Arena de São Paulo na tarde do dia 12 de junho de 2014 vestindo o uniforme verde-amarelo da Seleção Brasileira seria enorme.
Acontece que nem todos os passos de sua carreira seriam dados exatamente como ele imaginava. No fim, o sonho de jogar uma Copa do Mundo da FIFA vai, sim, se realizar, mas de uma forma bem diferente: na partida de abertura do Mundial realizado no país em que nasceu, ele vestirá outra camisa, a da Croácia, tendo que enfrentar exatamente o Brasil com a responsabilidade de estragar a festa de seus conterrâneos, que já não são mais seus compatriotas. Confuso, não?
Pois é mais ou menos assim que o carioca de 31 anos, que há 15 se mudou para a Croácia e há dez joga pelas seleções do país, vem se sentindo agora. Apesar de hoje “ter o coração croata”, o ex-jogador do Dínamo de Zagreb, Arsenal e atualmente no Shakhtar Donetsk falou ao FIFA.com sobre tudo que envolve o primeiro jogo da Copa, como tem se preparado para encarar o momento e admitiu: “Na hora de cantar os hinos vou ficar dividido.” Confira:
FIFA.com: Conte como aconteceu essa sua ida para a Croácia e o processo de naturalização. Foi tudo muito cedo e rápido, certo?
Eduardo da Silva: A verdade é que nunca cheguei a jogar num clube do Brasil. Com 14, 15 anos, tive a oportunidade de disputar um campeonato de comunidades, que era promovido pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Joguei, fui campeão e me destaquei, e um empresário me perguntou se não queria ir para a Croácia. Cheguei com 16 anos, passei pelas categorias de base do Dínamo e, com 17 anos, já jogava pelo profissional. E foi depois de quatro anos que recebi o convite do técnico da seleção sub-21 da Croácia. Foi uma decisão importante, falei com meus familiares, que entenderam e concordaram que era algo bom para o meu futuro. Mas foi um processo natural. Com 21 anos estreei pela seleção principal e daí não parou mais.
E como é a relação com o Brasil hoje? No fundo, pesa mais a primeira metade da vida que você passou no Brasil ou a segunda, na Croácia?
Em termos profissionais, minha situação é diferente de alguns brasileiros que jogam por outras seleções. Cheguei muito cedo na Croácia, construí devagar o meu caminho e passei por todas as seleções de base. Não foi algo recente ou que fiz pensando em jogar um dia uma Copa. Foi simplesmente uma opção e minha carreira acabou tomando esse rumo. Bom, no geral, posso dizer que continuo sendo brasileiro, mas que tenho um grande amor pela Croácia depois de 15 anos vivendo aqui e dez jogando pela seleção. Hoje, me sinto praticamente europeu e croata.
No início, como lidou com a língua? Complicava a relação com os companheiros de seleção?
Atrapalhou sim, foi muito difícil. Principalmente porque naquela época eu não falava nem inglês, só português mesmo – e, aliás, um português muito melhor do que o que estou falando contigo (risos). Não teve outra solução: tive que aprender o croata o mais rápido possível. Foi um sofrimento, sim, e não só com a língua, mas com o frio, a cultura. Foi algo que durou cerca de um ano, mas que, quando aprendi, tudo ficou bem mais fácil. Hoje falo fluentemente o croata, não tem mais problema.
Mas com tantos brasileiros no Shakhtar Donetsk você ao menos acaba praticando o português diariamente, não?
Sem dúvida. Se eu não estivesse lá, meu português estaria até pior do que é agora (risos). Lá eu procuro sempre estar com eles, conversar bastante, praticar. Porque fiquei praticamente 11 anos sem falar direito. No início, era muito difícil até para voltar para o Brasil. Cheguei a ficar dois anos e meio sem ver minha família, sem vir ao Brasil. Foi complicado. Depois, felizmente, as coisas melhoraram e tive mais oportunidades de rever amigos e família. Hoje em dia, sempre que posso eu vou para lá, uma ou duas vezes por ano.
Você perdeu a chance de jogar a Copa de 2006 por ser “jovem ainda”, como o técnico Zlatko Kranjcar falou na época. Em 2010, a Croácia não se classificou. E aí o destino prega essa peça: sua primeira Copa acaba sendo justamente no país que nasceu, mas por outra seleção...
Sem dúvida, é algo curioso, mas também uma oportunidade muito boa. Perdi três competições grandes, porque teve a Euro 2008 também, que estava me recuperando de lesão. Tive a experiência de jogar a Euro 2012, mas a primeira Copa é especial. Nunca imaginaria essa situação: ser brasileiro e ter a oportunidade de jogar uma Copa no seu próprio país, mas defendendo outra seleção. E aí, para complicar, tem essa partida de abertura entre os dois. Nunca poderia imaginar tanta coincidência.
E, com o Mandzukic fora do jogo de estreia, existe uma chance ainda maior de você jogar. Você vem se preparando psicologicamente para isso?
Uns dias antes de me apresentar à seleção, quando ainda estava focado no clube e no Campeonato Ucraniano, eu não tinha parado para pensar direito. Agora que passei os primeiros dias com a seleção, que a equipe começou a preparação e está focada nessa etapa, a gente começa a pensar demais, a imaginar como vai ser aquele momento. E é isso mesmo, estou me preparando mental e fisicamente para essa partida.
Dá para projetar como será quando as duas seleções estiverem perfiladas antes do jogo, quando os hinos tocarem... como ficará o coração?
Olha, sou brasileiro e não vou deixar de ser. Mas tenho um amor muito grande pela Croácia, um carinho enorme pelos torcedores e pelos companheiros de equipe. Acho que posso falar: meu sangue é brasileiro, mas meu coração, hoje, é croata. É um momento difícil, entende? Se eu tiver a oportunidade de cantar os dois hinos... acho que vou ficar dividido.
E qual seria o resultado perfeito desse jogo?
É difícil prever, prefiro não falar em resultado. O que dá para dizer é que a situação perfeita seria uma grande apresentação da Croácia. O Brasil é favorito para ganhar a Copa, não só este jogo, mas acho que a Croácia está se preparando muito bem e pode fazer uma grande partida, sim.
Desde o sorteio dos grupos e a definição do jogo você ficou, de certa forma, no centro das atenções. O torcedor croata, por exemplo, fala alguma coisa ou brinca com a situação?
Sim, o pessoal fala muito, mas em geral é para incentivar. Muita gente fala que eu vou fazer o gol da vitória. Outros dizem que eu vou entrar nos últimos 20 minutos e fazer um gol. É algo que motiva, sim, porque você vê o quanto o pessoal está envolvido. E tem o contrário também, aqueles que falam para eu tomar cuidado e não marcar gol contra. Mas levo isso na boa, faz parte.
E na Vila Kennedy, como fica a torcida? O pessoal brinca com sua família sobre isso? Ou lá todo mundo vai torcer para a Croácia por sua causa?
Olha, é difícil. Têm coisas que é melhor guardar segredo. Em relação aos amigos, muitos brincam, falam que o Brasil vai ganhar, mas que eu vou fazer o gol da Croácia. É mais ou menos assim que o pessoal está encarando.
Além de você, a Croácia conta com mais um brasileiro na seleção. Você e o Sammir acabam sendo uma espécie de guia dos companheiros e do Kovac? O pessoal vem perguntar sobre questões técnicas ou dicas, por exemplo?
Sim, é natural. Se bem que às vezes não consigo ajudar muito, porque conheço pouco do Brasil, basicamente só o Rio de Janeiro. Mas o pessoal da comissão está cuidando disso há um tempo, foi para o Brasil várias vezes, pegou todas as informações, e só às vezes vêm confirmar comigo, perguntar uma coisa ou outra. Eu faço o máximo para ajudar.
Como você vê a Seleção Brasileira hoje e qual análise você faz dela para o Kovac?
Antes da Copa das Confederações, o Brasil tinha perdido um pouco do respeito. Mas as coisas mudaram muito, e todo mundo voltou a falar da força dessa equipe. É uma seleção com jogadores jovens, que estão famintos, que querem esse hexa jogando em casa. É o grande favorito da Copa, mas vai depender muito desse primeiro jogo contra a Croácia. A estreia é sempre dura, um jogo nervoso, com muita pressão. Se o Brasil ganhar, tira esse peso das costas e vai longe. Se não ganhar, vai ter muitas dificuldades para o restante.
Se não ganhar, quer dizer que a Croácia terá feito um grande jogo. E, assim, até onde a sua seleção pode ir?
O objetivo é passar para a segunda fase. Se for o caso, teremos uma final já, que será contra Holanda, Espanha ou Chile, times perigosíssimos. Se a Croácia passar das oitavas, pode repetir a Copa de 1998 ou até mais. Estamos muito confiantes, sendo apoiados pela mídia e pelos torcedores. É algo muito positivo, porque eles sabem que temos uma geração forte, uma das melhores da história. A gente precisa confirmar isso, ir longe, ser melhor que a geração de 98. Vamos fazer de tudo.
Fonte: Fifa.com
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